Bloomberg Línea — Nos últimos meses, o mercado imobiliário nacional tem visto uma atividade aquecida em compras de participações em shopping centers, que envolvem alguns dos maiores players dessa indústria.
Para a Multiplan (MULT3), maior grupo do setor em valor de mercado (R$ 14,5 bilhões), não está nos planos entrar nessa disputa que inclui ativos valiosos como as participações estimadas em R$ 3 bilhões nos shoppings Pátio Higienópolis e Pátio Paulista, ambos em São Paulo e que pertencem à canadense Brookfield, disse o CFO da companhia, Armando d’Almeida Neto, em entrevista à Bloomberg Línea.
Depois de alcançar o maior lucro de um terceiro trimestre (veja mais abaixo) desde que abriu capital na bolsa brasileira em 2007, a companhia vai focar a alocação de capital na recompra de R$ 2 bilhões de ações detidas pelo seu sócio canadense, o fundo de pensão Ontario Teachers Pension Plan.
“É a melhor alocação de capital para nós do que participar desse processo [de venda de 55,9% do Paulista e de 50,1% do Higienópolis]. É uma decisão estratégica diante do retorno que a recompra nos oferece, com a taxa de desconto implícita no negócio”, afirmou o CFO, em alusão ao acordo de recompra.
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Os dois ativos colocados à venda pela Brookfield são cobiçados no mercado porque voltados ao público de alta renda, mais resiliente às condições econômicas adversas.
O CFO da Multiplan sinalizou reconhecer o valor de tais ativos, mas que não enxerga uma concorrência direta com seu principal empreendimento na capital paulista, o MorumbiShopping.
“[Pátio Paulista e Pátio Higienópolis] não ficam na mesma área primária, são mais distantes do Morumbi.” O primeiro fica localizado em uma ponta da avenida Paulista, no bairro de Paraíso, região do centro-sul da capital, e o segundo, na zona oeste, enquanto o Morumbi fica mais avançado na zona sul.
Analistas esperam que o Iguatemi (IGTI11), que já é sócio minoritário da Brookfield nos dois ativos, acabe como vencedor para levar as participações e assuma o controle de ambos.
No último dia 14, a CEO do Iguatemi, Cristina Betts, disse a analistas do Santander Brasil que a companhia tem um acordo de exclusividade na negociação com a Brookfield com 30 dias de duração e indicou que o deal pode envolver parceiros como um fundo imobiliário do Banco do Brasil, o BB Premium Malls FII (BBIG11).
O grupo controlado pela família Jereissati tem dois shoppings de alto padrão em São Paulo, o Iguatemi, na avenida Faria Lima, e o JK Iguatemi, na região da Vila Olímpia. A aquisição do controle do Pátio Paulista e do Higienópolis, portanto, representaria o avanço por regiões em que não tem presença.
Procurado pela Bloomberg Línea para comentar a questão, o Iguatemi não respondeu ao pedido de comentário sobre o teor do relatório do Santander que revelou o estágio da negociação.
Lucro recorde e acima do consenso
Com um portfólio com 20 shoppings centers, do Morumbi ao Anália Franco em São Paulo e o BarraShopping e o New York Center no Rio de Janeiro, a Multiplan reportou, na noite da quinta-feira (24), um lucro líquido de R$ 279,6 milhões, com crescimento de 6,1% em 12 meses.
O resultado, segundo a companhia, reflete a estratégia de diversificação de receitas e o processo de revitalização de portfólio, além de novos projetos imobiliários e o momento positivo das vendas de seus lojistas.
O resultado ficou acima do consenso das estimativas de analistas compiladas pela Bloomberg.
Analistas como Jorel Guilloty e Igor Machado, do Goldman Sachs, disseram que o lucro veio acima do esperado por eles e reafirmaram recomendação de compra para a ação. A companhia registrou ainda o quinto trimestre consecutivo com margem líquida acima de 50% (51,3%).
“Nunca tivemos um lucro deste tamanho em um terceiro trimestre. É um recorde histórico. Considerando todos os trimestres, foi o quarto maior lucro da história desde a abertura de capital. Historicamente, o quarto trimestre costuma ser o mais forte”, disse o executivo, em referência às maiores vendas no fim de ano com a renda extra do pagamento do 13º salário e as festas de Natal e Réveillon.
Entre julho e setembro, a receita líquida da companhia cresceu 6,5% na base anual, para R$ 545,1 milhões.
As receitas tiveram múltiplas fontes, como estacionamento, aluguel de quiosques, stands e ações para merchandising, como cartazes, painéis eletrônicos, locação de espaços em pilares, áreas de estacionamento, portas e escadas rolantes, entre outros pontos de exposição em um shopping.
A locação para lojistas respondeu por 68,4% da receita bruta, seguida por estacionamento (13,6%), venda de imóveis (9,4%) e serviços (6,1%). A receita de locação cresceu 1,9% em 12 meses, enquanto a de estacionamento teve aumento de 8,9% principalmente devido ao aumento das tarifas.
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Já a receita com a venda de imóveis totalizou R$ 55,5 milhões no terceiro trimestre, quase duas vezes maior que a de igual período do ano passado.
O resultado foi impulsionado pela contabilização das vendas do empreendimento residencial Golden Lake, um bairro privativo de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, e pela venda de um terreno próximo ao Parque Shopping Maceió, em Alagoas, onde o grupo desenvolve um projeto multiuso.
No trimestre, a taxa de ocupação média do portfólio da Multiplan alcançou 96,2%, ante 96,1% há um ano. No fim de setembro, o indicador já estava em 96,4%.
A inadimplência líquida registrada foi negativa (-0,1%), o que repetiu o fenômeno vista no trimestre anterior. Ambos os indicadores contribuíram para o aumento do resultado operacional líquido (NOI) e de sua margem, que atingiu 93,2%, a maior já registrada em um terceiro trimestre.
“As vendas dos nossos lojistas vão muito bem, com o percentual sobre vendas excedendo o valor do aluguel mínimo. Isso indica que há uma oportunidade de crescer a receita com o aluguel”, observou o CFO.
Alavancagem ‘confortável’
A expectativa da Multiplan para os próximos meses é realizar a liquidação das três tranches previstas na operação de recompra de ações, a maior de sua história, de propriedade do sócio canadense. A operação foi aprovada no último dia 21 em Assembleia Geral Extraordinária.
Com a transação, o balanço do quarto trimestre deve, segundo o CFO, apontar uma alta do nível de alavancagem de 1,41x a dívida líquida sobre o Ebitda no terceiro trimestre para algo em torno de 2,68x, com a premissa do mesmo patamar de geração de caixa. Ficará, portanto, ainda inferior ao covenant (limite do nível de alavancagem) mais baixo da empresa, de 4 vezes.
“Estamos confortáveis com a alavancagem. A companhia dizia que poderia analisar a venda de ativos para desalavancar mais rápido. Fizemos isso com o acordo de venda de um participação minoritária do shopping de Jundiaí”, afirmou Almeida Neto.
O executivo fez referência à assinatura do memorando de entendimento para vender 25% do JundiaíShopping para um fundo imobiliário da XP por R$ 251,4 milhões, anunciada no início de outubro.
“Estamos no processo natural dessas operações, como diligências. Já demos entrada no Cade [Conselho Administrativo de Defesa Econômica, órgão antitruste]. Estamos seguindo o processo”, disse o CFO, que expressou confiança na conclusão da transação no quarto trimestre.
Em novembro, a inauguração das expansões do DiamondMall em Belo Horizonte (MG) e do ParkShoppingBarigüi em Curitiba (PR), juntamente com a conclusão de projetos de revitalização em andamento, devem reforçar ainda mais os resultados da Multiplan, segundo o CFO.
No terceiro trimestre, também foram feitos investimentos relevantes para revitalização de 13 shoppings, com destaque para o BarraShopping, o MorumbiShopping, o DiamondMall e o PátioSavassi.
As ações da Multiplan acumulam queda de 10% em 2024, ante um Ibovespa negativo de 3,7% no período. O papel conta com 12 recomendações de compra e nenhuma de venda, segundo o terminal da Bloomberg.
Nos últimos 12 meses, até setembro, o valor total de JCP (juros sobre capital próprio) aprovado foi de R$ 581 milhões, o que representa um índice de payout (percentual do lucro distribuído) de 54,1%.
“Não vamos rever nossa política de dividendos. Historicamente temos distribuído lucros em torno de 50% após as reservas”, afirmou o CFO.
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